Pandemia sobrecarrega bancários e afeta saúde mental da categoria
Todos os dias, Stella* acorda cedo, toma seu café, troca mensagens com a mãe idosa e se organiza para ajuda-la, caso seja necessário. Em seguida, senta-se em frente ao computador, inicia o seu expediente utilizando o equipamento do banco e tenta cumprir seu horário de trabalho, porém prioriza sua saúde mental e bem-estar.
Mas nem sempre foi assim. Há cinco meses, quando a pandemia causada pelo Coronavírus foi decretada e mais de 230 mil bancários e bancárias de todo o país foram remanejados para o home office, a bancária perdeu o rumo com seus horários, teve insônia e crises de depressão e ansiedade, controladas através de medicação. “Não estava realizando nada do que eu queria ou precisava”, explicou.
Com Raul* os problemas trazidos pela crise sanitária foram outros. Afastado de suas funções pelo stress causado no trabalho, não conseguiu agendar a perícia no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e viu seu quadro se agravar. “Estou em home office, o banco honrou meus vencimentos, mas não pude retornar porque ainda estou em tratamento e não posso dirigir por longas distâncias”.
Questionado sobre as maiores dificuldade em desempenhar suas funções à distância, Raul relatou que cumprir os horários pode ser desgastante. “É complicado porquê em casa as crianças acabam nos chamando a todo momento, mas eu tento ser fiel ao horário do expediente”. Pressão, reuniões online, quadro reduzido de funcionários, bancários e bancárias exaustos – seja na agência ou em casa -, metas abusivas a serem batidas estão entre as principais observações levantadas pelos bancários.
Via de regra, a categoria já figura entre as que mais registram adoecimentos no país, casos que podem aumentar ainda mais com a pandemia. Para a psicóloga Ana Rosa de Gouvêa, do ponto de vista psicológico o contexto dos fatores apresentados podem sim repercutir negativamente na saúde do trabalhador, gerando sintomas como ansiedade e desconfortos emocionais frente às exigências de nova adaptação à realidade. “As condições mudaram bruscamente e isso impede, ou deveria impedir, que as cobranças permanecessem as mesmas, pois as condições para a execução do trabalho estão provisoriamente modificadas”.
As histórias confirmam uma pesquisa realizada pela Startup Pulses, que apontou que 54% dos entrevistados estão tendo níveis de ansiedade médios e altos em algum momento da quarentena; outro estudo desenvolvido pela Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e publicado pela revista The Lancet em maio revela que casos de ansiedade e estresse mais do que dobraram e os casos de depressão tiveram um aumento expressivo, de mais de 90% durante a pandemia no país.
Mas se a rotina tem sido dura com os trabalhadores, o que poderia ser feito para amenizar os sintomas? Stella acredita na importância do diálogo com o setor de Recursos Humanos do banco, para que as dificuldades sejam colocadas aos gestores para que se chegue a um consenso entre as partes, sem medo de represálias.
Ana concorda. Afirma que a empresa deveria contribuir na leitura desta realidade e pactuar uma nova forma de compreender o que é resultado e o que é superação dessa expectativa, destacando como fator de fortalecimento a aproximação da leitura de realidade entre banco e bancário. “Onde as condições de exigências sejam flexíveis diante do novo cenário e levem em consideração a realidade de cada um, na tentativa de extrair uma experiência mais humanizada, saudável e que, consequentemente, trará melhores resultados de trabalho”, finalizou a psicóloga.
*Os nomes dos entrevistados foram alterados para garantir o direito ao anonimato das fontes