Novo pacote do governo é mais um ataque contra os trabalhadores
“Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”. A afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada na edição de domingo (3), aconteceu horas antes dele, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, apresentar um pacote de medidas que deverá intensificar o arrocho do governo sobre servidores públicos.
Incapaz de criar projetos de desenvolvimento econômico com justiça e inclusão social e geração de emprego decente, o governo vem com mais retirada de direitos sociais e trabalhistas. Desta vez, o governo abre uma perigosa brecha para estados e municípios manipularem os recursos destinados à saúde e a educação.
“As medidas propostas pelo governo, sob a justificativa de resolver problemas, na verdade, são um ataque ao papel do Estado, tanto no uso do orçamento para os serviços públicos, especialmente na saúde e educação, como na garantia de direitos dos servidores públicos”, afirmou Sérgio Takemoto, secretário de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
O pacote de Bolsonaro, chamado de “Plano Mais Brasil”, é composto por três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) – a Emergencial, a de Fundos Públicos e a do Pacto Federativo – que criam gatilhos que impedem a União, estados e municípios de fazerem novos investimentos, autoriza a redução de jornadas e salários de servidores públicos e acaba com os reajustes de benefícios sociais com base na inflação. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma das exceções, vai continuar sendo reajustado com base na inflação. Elas serão apreciadas primeiro pelo Senado, onde foram protocoladas nesta terça, e depois pela Câmara dos Deputados.
Ao receber os textos, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), declarou que “este Parlamento foi eleito para fazer as coisas acontecerem”, afirmando que o atual Congresso será “o mais reformista” da história. Segundo Guedes, o governo está propondo uma transformação do Estado brasileiro. “Tem a consolidação de uma cultura fiscal, uma cultura de austeridade de sustentabilidade fiscal. Na verdade, nós vamos garantir finanças sólidas para a República brasileira e ao mesmo tempo estamos descentralizando recursos para estados e municípios”, disse o ministro da Economia.
Entre os diferentes pontos das PECs apresentadas, há um plano de redução temporária de até 25% da jornada de trabalho, com consequente corte proporcional no salário dos trabalhadores. A sugestão compõe a chamada “PEC Emergencial”.
Para o presidente da CUT, Sérgio Nobre, o enorme pacote de medidas apresentado por Bolsonaro e seu ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, atirando para todos os lados, mas especialmente contra os trabalhadores e os mais pobres, mostra, mais uma vez, que este governo não tem propostas para aquecer a economia que está patinando há meses. Além disso, diz, o governo ignora que medidas como essas deram errado em vários lugares do mundo. O Chile é um exemplo disso.
“Esse tsunami de medidas que atacam a classe trabalhadora e os mais pobres do país deram errado em vários locais do mundo e vão dar aqui também. O que o Brasil precisa é de medidas que gerem emprego e renda e promovam o bem-estar da população”.
Para Sérgio Nobre, o governo erra ao reduzir os investimentos, preocupado com a dívida pública.
Plano Guedes deve agravar a crise do desemprego
Para o economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Plano Mais Brasil parte de um diagnóstico “equivocado”, ao considerar que o principal problema do país seria o endividamento público. Na verdade, o maior desafio hoje é o desemprego, que sequer foi citado como preocupação e que deverá ser agravado pelo conjunto de medidas apresentadas nesta terça-feira (5).
“A economia brasileira vive uma depressão, estagnada, no fundo do poço, com elevado desemprego. Isso já dura quatro anos. Se mudassem o foco, poderiam chegar a uma conclusão melhor. Se o Brasil crescer, vai reduzir o desemprego, com mais trabalhadores recebendo salários e pagando os impostos, o que reduziria o endividamento do setor público”, afirmou aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (6).
Brasil: cresce número de pessoas vivendo em pobreza extrema depois do golpe
A afirmação do ministro ignora também a população do país para o qual trabalha, onde 16 milhões de famílias ganham em média R$ 1.232,17 (R$ 411 por pessoa) e 13 milhões, R$ 2.332,98 (R$ 778), segundo dados do IBGE. Para metade da população brasileira, é preciso sobreviver com o equivalente a menos da metade de um salário mínimo.
E foram políticas como as que ele defende, adotadas pelos presidentes que sucederam a ex-presidenta Dilma Rousseff, que jogam os indicadores sociais para os piores níveis dos últimos anos. Queda na qualidade de vida, desemprego e ausência de crescimento econômico são as principais características do Brasil pós-golpe.
O número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou em um milhão por ano de 2015 a 2018. Hoje são 13,5 milhões (6,5%) de pessoas na miséria no país. O índice é recorde em sete anos.
Os dados são da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Confira os principais itens de cada PEC:
Na PEC do “Pacto Federativo” consta, entre outras medidas, os “três Ds”: desobrigar (o pagamento de salários para o funcionalismo), desindexar (benefícios sociais deixarão de ser reajustados pela inflação) e desvincular (retirar os gastos mínimos com saúde e educação). Neste último caso, o gestor vai administrar conjuntamente esses limites, ou seja, poderá compensar um gasto de uma área na outra.
Outra medida que vai impactar na vida de milhares de pessoas é a que obriga a incorporação de cidades pequenas e pobres por outros municípios vizinhos. Com isso, 1.254 municípios com até 5.000 habitantes podem desaparecer – o governo não divulgou quantos não se sustentam.
Já a PEC dos “Fundos Públicos” permite ao governo utilizar R$ 220 bilhões retidos em 281 fundos para pagamento da dívida pública, além de reavaliar a cada quatro anos, os benefícios tributários. No âmbito federal, a partir de 2026, os benefícios tributários não poderão ultrapassar 2% do PIB (se estiver acima desse teto, não haverá novas concessões, ampliação ou renovação de benefícios).
A PEC “Emergencial” dá à União, estados e municípios o direito de reduzir jornadas e salários de servidores caso as despesas excederem 95% da receita corrente.
Tanto a PEC do Pacto Federativo quanto o da PEC Emergencial têm mecanismos automáticos de ajustes que proíbem a promoção de funcionário público, mesmo que ele tenha direito. A exceção é feita, como sempre, para algumas categorias mais alinhadas com o governo, como o Judiciário, membros do Ministério Público, militares e policiais. Além de não ter mais promoções, os servidores não terão reajustes e podem ter redução de 25% da jornada com adequação dos salários. Estados e municípios não poderão realizar reestruturação de carreira dos servidores, fazer concurso e criar verbas indenizatórias.
Fonte: CUT/SP