Bayer compra Monsanto e tenta apagar história manchada da empresa
O grupo alemão Bayer está prestes a concluir a compra da Monsanto em uma negociação bilionária no valor de US$63 bi. Após a aquisição, a multinacional americana deverá ser incoporada à Bayer e deixará de existir.
O engenheiro agrônomo Gabriel Fernandes, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa que a extinção da multinacional é uma estratégia de marketing: assim, a Bayer se desfaz do legado de denúncias e críticas acumulado pela Monsanto nos seus 117 anos de existência enquanto preserva seu catálogo de produtos.
“A Monsanto foi a empresa que produziu o agente laranja usado na guerra do Vietnã; a empresa que produziu as dioxinas [pesticida altamente tóxico]; o hormônio bovino transgênico; as sementes transgênicas; o aspartame e o RoundUp [herbicida altamente tóxico]. Ela tem um histórico de desenvolver produtos impactantes para o meio ambiente para a saúde”, pontua o pesquisador.
A empresa é um dos principais alvos de denúncia de movimentos populares e ambientalistas. A empresa, inclusive, ganhou uma data específica de protestos, o 23 de maio, adotado por movimentos populares como o Dia Mundial de Luta contra a Monsanto.
Todo ano, as entidades denunciam internacionalmente as práticas criminosas e os impactos nocivos do mercado de transgênicos e dos agrotóxicos –em 2016, por exemplo, foi realizado um tribunal informal em que julgaram os crimes contra a humanidade cometidos pela multinacional.
Murilo Mendonça Souza, professor do departamento de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), é integrante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), entidade que compõe a Campanha Nacional contra os Agrotóxicos. Ele enxerga a movimentação como uma defesa de mercado por parte da Bayer.
“É uma estratégia para passar a visão de que está se construindo um novo grupo. A [imagem da] Monsanto não cola com a imagem que a Bayer, que é principalmente uma empresa farmacêutica, quer passar, de promotora da saúde. ‘Se é Bayer é bom’. Se tiram a Monsanto, eles conseguem se fortalecer de uma maneira muito mais intensa e rápida”, afirmou.
De acordo com ele, o objetivo é a manutenção do mercado do glifosato, substância correspondente a 46% dos agrotóxicos consumidos no Brasil.
“A substância passou por uma reavaliação na Europa, em que a Monsanto pediu dez anos de renovação da licença, mas ganhou apenas cinco por conta dos problemas que a empresa tem enfrentado. Então, para a manutenção do mercado do glifosato e de qualquer outro agrotóxico que venha nessa linha, para o mercado é muito boa”, pondera.
No Brasil, por exemplo, o Projeto de Lei 6.299 de 2012, conhecido como PL do Veneno, está em pauta no Congresso Nacional. A proposta quer substituir a legislação e facilitar a produção, importação e registro e comércio de agrotóxicos no Brasil.
A concentração também vai garantir domínio de toda a cadeia produtiva do setor, afirmou Gabriel Fernandes. “A tendência é que elas avancem cada vez mais também sob o controle de dados, informações sobre solos, clima; de forma que elas possam amarrar no pacote tecnológico de sementes também a venda de informações, seguindo uma linha de uma agricultura cada vez mais industrializada”, pontua o pesquisador.
Agências ‘legitimadoras’
O processo de compra passou pela avaliação de agências reguladoras de 29 países, como EUA, México, Rússia e União Europeia. A Bayer já recebeu as aprovações exigidas pelas autoridades.
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra com a condição de venda de ativos da Bayer, para atenuar o oligopólio do setor. A exigência foi seguida na maioria dos países e o grupo alemão anunciou a venda para a concorrente Basf.
Para Murilo Mendonça Souza, os órgãos reguladores estão “com os pés amarrados e as mãos atadas” com as grandes corporações e cumprem papel de apoiadores de seus negócios.
“Essas agências não regulam muita coisa, mas legitimam negócios que estão previamente acordados. E também com uma relação muito forte com o Estado. O Brasil, especialmente neste momento de golpe, tem um problema muito sério. Em vários momentos, presidentes da Syngenta, Monsanto e Bayer estiveram reuniões com Ministério da Agricultura, o que demonstra a relação umbilical que essas corporações têm com o Estado brasileiro e as agências reguladoras”, afirma.
Na mesma linha, Silvia Ribeiro critica a atuação das agências: “Elas disseram que colocariam condições, mas a única coisa que fizeram é que, em vez de três megaempresas, serão quatro, incluindo também a Basf. Então, elas foram totalmente irresponsáveis em relação à saúde das pessoas, ao meio ambiente, à agricultura campesina, aos consumidores e à possibilidade de soberania alimentar”.
O mercado mundial de agrotóxicos movimenta, hoje, US$ 57 bilhões por ano. Com US$ 9,5 bilhões e 17% do mercado, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
Informações: Instituto Lula