Ao contrário do que diz Campos Neto, inflação brasileira não tem raiz na demanda
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse durante um evento realizado nesta quarta-feira (5), que a dificuldade em reduzir a taxa básica de juros no Brasil (Selic) ocorre devido a inflação que, segundo ele, tem parte da sua origem no aumento da demanda por produtos, ou seja, no consumo da população. Uma análise considerada vaga por técnicos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diesse).
“Este argumento aponta falha de análise do gestor da entidade responsável pela política monetária do país, por não considerar diversos fatores que apontam para o contrário: que a demanda não é a principal responsável pelo aumento da inflação no país. E mesmo os sinais recentes de melhora no setor de serviços não são suficientes para dizer que grande parte da inflação se deve à demanda”, explica Vivian Machado, economista da Subseção do Dieese na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
Ela destaca, por exemplo, que a Guerra da Ucrânia e as mudanças climáticas globais refletiram sobre os níveis da inflação brasileira, por terem provocado o aumento acelerado no valor de comodities, como os insumos de energia e de combustível, produtos agrícolas e fertilizantes. “Gerou-se uma inflação de alimentos, contudo, a inflação observada já segue em baixa há meses, inclusive”. A economista aponta ainda que, ao contrário do que Campos Neto deu a entender, o Brasil não está passando por um período de aquecimento significativo da demanda interna, e isso devido ao crescimento da pobreza, do endividamento e manutenção do alto índice de desemprego. “Portanto, não se justifica a manutenção dessa taxa básica de juros em um nível exorbitante e que vai trazer mais dificuldade para a população brasileira”, completa.
Desemprego e endividamento
Atualmente, a população brasileira sem emprego (desocupada) está em 9,2 milhões, aumento de 5,5% em comparação ao trimestre anterior. Já a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada recentemente, mostrou que a cada 100 famílias brasileiras, 78 estavam endividadas, em 2022 – o patamar mais elevado desde o início da série histórica do levantamento que começou em 2010. “Como nós podemos ter uma inflação de demanda (causada pelo aumento do consumo) com um cenário que inibe o investimento produtivo e que, consequentemente, compromete a geração de emprego e renda e do poder de compra das pessoas?”, questiona Vivian Machado.
A fala da economista do Dieese é acompanhada pela empresa independente de pesquisa econômica com sede em Londres, Capital Economics. Segundo a entidade, o Brasil corre risco de recessão devido ao cenário interno de desaceleração do crescimento nos indicadores, justamente em função da redução na demanda doméstica, o que mostra que as altas taxas de juros são prejudicais para o país. “A fragilidade da economia pode levar o presidente Lula a redobrar seus esforços para dar mais apoio social e pressionar o Banco Central a baixar os juros”, disse a consultoria britânica em relatório publicado no início de março.
Outros fatores que podem contribuir para um cenário de recessão no Brasil são a recuperação judicial de importantes empresas, como a Americanas S.A., e a crise bancária estrangeira.
Política do boicote ao crescimento
“É motivo de preocupação ver o presidente do Banco Central dizer que a inflação brasileira é por causa da demanda, enquanto diversas análises dizem o contrário”, avalia a presidenta da Contraf-CUT e vice-presidenta da CUT Nacional, Juvandia Moreira. “Isso nos causa a impressão de que a liderança da entidade que define a taxa básica de juros quer hoje medir forças políticas e não cumprir seu papel que é ajudar a promover um ciclo econômico crescente e sustentável no país”, completa.
Ela destaca que a decisão do BC, por intermédio do Comitê de Política Monetária (Copom), de continuar mantendo a taxa básica de juros da economia (Selic) em 13,75% – a mais alta do mundo – tem impedido o país de crescer e gerar emprego e renda, “porque, ao forçar o aumento das taxas de crédito em todo o sistema bancário, tornam o investimento produtivo menos viável e desestimula o consumo”, conclui.